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Desde criança que não me lembro de ter dois natais iguais. Uns melhor que outros mas também me lembro que foi nos menos bons que eu e o meu irmão organizávamos os melhores concertos e teatrinhos para animar os meus pais. O que ainda hoje me faz gostar do Natal é a nostalgia desses tempos em que havia a verdadeira excitação, o verdadeiro friozinho na barriga que se foi perdendo.
Mas nunca se apagaram as tradições desse dia. A minha mãe na cozinha, de avental, a fazer os doces enquanto eu punha a mesa. Na casa soava sempre o nosso cd preferido e cantávamos e dançávamos enquanto cada um se dedicava às suas tarefas. A refeição da consoada era sempre a mais tardia do ano e mesmo quando acabávamos de jantar perto das onze, lembro-me de achar que faltava uma eternidade para poder 'atacar' todos os presentes.
De todas as circunstâncias que a vida me apresentou, nomeadamente a separação dos meus pais, que foi talvez das mais marcantes, a maior delas todas foi a partida da minha avó. Acho que até dia 24 chegar não me tinha posto bem na angustia da situação. Andava distraída, mil e uma coisas para fazer e para estudar. A tradição este ano não se alterou, os doces, a mesa (com menos um lugar!), a música (mais baixa!) e a consoada (servida bem mais cedo!). E acresceu um vazio enorme. Todos os presentes que recebi acabei por desvaloriza-los drasticamente e em parte não me consigo sentir culpada. Tudo o que me faltava era a minha avó a beijar-me as bochechas gordinhas e rosadas, como ela me dizia, e a aquecer-me as mãos.
Lembro-me de ter perto de cinco anos e de ter chorado muito por não ter recebido a boneca que desejava. No final era show off e ofereceram-ma para meu total deleite. Eu só queria que se tratasse de mais uma partida e que dissessem que também me vão oferecer a minha avó de volta. Não há bens materiais que paguem isso. Nenhuns. Nem nunca existirão. E o vazio que hoje sinto não mais será preenchido.
Como costumo habitualmente fazer todos os anos, fui oferecer uma caixa de bolachinhas de manteiga à minha vizinha que mora duas casas acima de mim. Ela é muito idosa mas tem imensa genica. Vi as lágrimas nos olhos dela quando lhe entreguei as bolacha, um brilho de gratidão. Perguntei-lhe se ia para a filha, respondeu-me que este ano não lhe tinha dito nada. Que ia passar com os dois filhos que vivem com ela, ali. A tristeza na voz. Oitenta e sete anos. Que a filha não se arrependa.